A pobreza nos Açores, e no país, não é exclusiva dos desempregados, dos idosos, ou “dos malandros”. É, nos dias que correm, um problema de muitos trabalhadores. Esta foi uma das ideias vincadas pelo sociólogo Fernando Diogo no debate sobre o tema que decorreu na manhã de quinta-feira no âmbito da II Semana Social, que termina sexta-feira na Praia da Vitória.
“Uma das grandes causas da pobreza no arquipélago é o mercado de trabalho, que exige habilitações baixas e oferece remunerações baixas. Se observarmos as estatísticas, por exemplo, a Região tem a menor taxa de desemprego do país, mas tem uma das taxas mais elevadas de pobreza. Quer isto dizer que muitos pobres têm trabalho”, explica o professor da Universidade dos Açores que tem dedicado a sua investigação a este tema.
“E este sistema, em grande medida, decorre de um problema que a Região e o país sofre: a existência de elites corruptas, vampirescas e incompetentes, que são um grande entrave ao desenvolvimento dos Açores e de Portugal”, sublinha.
“Portanto, há uma relação fraca entre a pobreza e o desemprego na Região. Além disso, quando falamos de pobreza no arquipélago temos de sublinhar sempre que essa situação é diferente de ilha para ilha. Porque o peso demográfico e económico de São Miguel tende a ser tomado como padrão quando se analisam estas questões. E isso é um erro”, reforça.
“Uma das soluções para invertermos o peso central da pobreza no arquipélago é reforçar os níveis de escolaridade. É esse, em minha opinião, um dos grandes desafios da Autonomia”, sublinhou.
Há soluções
Na sequência da intervenção de Fernando Diogo, o investigador e docente universitário Rogério Roque Amaro admitiu ser possível combater a pobreza no país, mas assegurou tratar-se de uma tarefa de difícil concretização.
“Logo à partida, o conceito e a ideia de pobreza estão errados. Aliás, nos últimos tempos, temos assistido ao regresso da visão tradicional sobre a pobreza, ou seja, que esta é simplesmente um problema económico. Ora, essa visão está completamente errada. É uma ideia que decorre da visão neoliberalista que pretende vingar na nossa sociedade. Mas a pobreza tem várias razões, várias origens, é uma questão de desigualdade, uma questão societal, estrutural, ou seja, resulta da forma como a sociedade se estrutura”, explicou o professor do ISCTE, que tem dedicado parte da sua acção a várias instituições que estudam a pobreza, o desenvolvimento e a economia solidária.
“O trabalho precário, a monoparentalidade, a doença, a toxicodependência, os baixos salários, a exclusão social, o próprio ambiente ou a cultura, são áreas que podem gerar pobreza. E sem que haja um problema económico. No fundo, contrariamente ao que muitos políticos defendem a resolução da pobreza não passa exclusivamente pelo crescimento económico e pela criação de emprego”, explicou.
Para o académico, a luta contra a pobreza só será eficaz “se for sistémica e permanente”.
“Será eficaz de visar os recursos e o acesso aos recursos e não apenas a privação deles. Ou seja, o acesso aos recursos – sejam eles quais forem – tem de ser mais igual. A luta contra a pobreza só será eficaz se incidir na pessoa pobre, mas também na sociedade, o que implica mudar mentalidades. Não podemos incentivar o pobre a libertar-se da pobreza e, depois, a própria sociedade barrar-lhe esse sonho”, sublinha.
Roque Amaro adianta que “fazer do pobre o protagonista central do seu percurso” é outro dos imperativos para o sucesso da luta contra a pobreza.
“Mas essa luta tem de ser um projecto de toda a sociedade e não apenas a função do Estado. E só terá êxito se for uma estratégia de proximidade. Isto é, tem de ser uma questão de terreno e não de gabinete. Poderá ter conceitos macro, mas concretização micro; no fundo, um processo de desenvolvimento local”, explicou.
“E tem que ser uma luta persistente, o que não é compatível com os ciclos políticos”, reforçou.
“E todas estas acções devem acontecer, de forma planeada, sequente e, acima de tudo, integrada. A pobreza só se combate com sucesso se for entendida como uma situação multidimensional e não apenas como uma questão económica. Aliás, até defendo que a luta contra a pobreza devia estar na nossa Constituição e devia ser alvo de pactos de regime entre partidos, para que os ciclos políticos não a afectassem”, concluiu.
No poupar está o ganho
A luta contra a pobreza deve começar no seio familiar, deve ser uma acção iniciada dentro da família pobre e não imposta por acção externa. E ser pobre não é uma fatalidade. Foram duas das ideias vincadas por Henrique Dédalo, jornalista terceirense que se prepara para lançar o livro “Cartilha da Economia Familiar”, “um contributo para ajudar as famílias a perceberem que quem nasce pobre não o será obrigatoriamente até morrer”.
“A sociedade tem de deixar de ver o pobre como um coitadinho. E o pobre tem de deixar de ver-se como um pobre para toda a vida. Ter consciência disso e, a partir desse empenho, procurar inverter a situação é a solução. Aliás, andamos a esquecer-nos que muitos de nós descendem de pais ou avós pobres, que pouparam toda uma vida para deixar uma vida melhor aos seus filhos. No tempo dos nossos avós, conseguia-se poupar. Mesmo quem tinha rendimentos medíocres”, explicou.
“Fazer contas, relevar o essencial e diminuir o supérfluo, ensinar os filhos a poupar, são estratégias que permitem sair da pobreza. Há pequenos gestos, pequenas acções, pequenas decisões que permitem ganhos consideráveis”, sublinhou Henrique Dédalo.
“Se uma pessoa fumar, por exemplo, 20 cigarros por dia e deixar de fumar, por exemplo, quatro, no final do ano terá poupado 250 euros. Ou seja, mais de metade do salário mínimo”, adiantou o presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória, que apresentou algumas das linhas da “Cartilha da Economia Familiar”, que será lançada na semana Outono Vivo deste ano, na Praia da Vitória.
“É um livro que recupera muitos dos ensinamentos dos nossos pais e avós, um trabalho de paixão, mas que espelha grande razão e que pode ser uma solução para os novos pobres da nossa sociedade: aquelas famílias que trabalham e se esforçam, mas que estão sobreendividadas, cujos rendimentos são absorvidos pelos créditos que foram levados a contrair no âmbito de estratégias extremamente agressivas de marketing e publicidade, nomeadamente pela Banca”, sublinhou Roberto Monteiro.
“Reforço da auto-estima, cultura de poupança, aprender a dizer não, são alguns dos conselhos que este livro dá e que, no fundo, reflectem a visão que começa a ganhar força na nossa sociedade, e que, na minha opinião, será fundamental para ultrapassarmos esta crise”, reforçou o autarca.
O final do painel sobre a pobreza contou com as intervenções do Provedor da Santa Casa da Misericórdia da Praia da Vitória, Francisco Ferreira, que confirmou o aumento na instituição do número de pedidos de ajuda por parte de famílias e pessoas em dificuldades financeiras e, emotivamente, criticou todos aqueles que vêem o apoio social como um contributo para “a malandrice”.
“Como se pode não ajudar crianças, idosos e pessoas em dificuldades, vítimas de maus tratos, pessoas que passam fome, que precisam de ajuda? Muitos são injustos ao criticarem sem conhecerem um trabalho válido, uma acção que tem ajudado muito para que a nossa sociedade seja cada vez melhor”, expressou.
A última intervenção coube a Ludovina Vieira, do Grupo Continente, que apresentou o projecto de apoio que a empresa pretende concretizar e que procurará apoiar os consumidores e as famílias nas melhores opções nos gastos domésticos.
“Saber o que se ganha e o que se gasta e conhecer pequenos truques e acções que permitem poupar é a base deste projecto. O Kit para a Família inclui a avaliação da sua situação financeira, fichas de controlo de gastos, dicas de poupança, receitas a custo reduzido, um manual de ida ao supermercado, entre outras coisas. É uma forma de ajudarmos e contribuirmos para uma cultura de poupança e de responsabilidade no consumo”, explicou.
Gabinete de Comunicação.
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